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Reflexões sobre o conceito étnico de nação

 

Para a maioria dos portugueses (principalmente para as suas elites sociais e políticas) e para alguns lusitanos (os ainda não conscientes da sua identidade), o problema da Causa Lusitana ou da questão “Portugal-Lusitânia” não se põe ou não existe, dizem eles que Portugal e Lusitânia são o mesmo povo e que formam a mesma nação, ou que no mínimo os actuais portugueses são os únicos descendentes dos antigos Lusitanos. Mas não é bem assim... Pelo contrário, para a maioria dos Lusitanos (aqueles que estão conscientes da sua verdadeira identidade étnico-cultural a questão existe porque os Lusitanos como povo nativo e milenar deste país formam uma nação mais antiga e diferenciada dos portugueses, sendo estes últimos um povo mestiço e portanto mais tardio, crioulizado de língua neo-latina que adoptou uma cultura estrangeira e não nativa, a origem do povo português está na traição às suas raízes originais e na colaboração com o inimigo ocupante, tendo deste modo renegado a sua cultura original, por isso, a resolução deste problema passa pelo reconhecimento oficial por parte dos portugueses (ou do governo português) de que sendo os Lusitanos um povo nativo e uma nação independente destes, eles têm aspirações legítimas a um auto-governo com plenos poderes no campo político e cultural, de forma a preservarem e a defenderem a sua própria identidade nacional, por isso a Lusitânia deve tornar-se a curto prazo num estado ou numa região autónoma dentro da República Portuguesa.
Vamos aos factos, formam os Lusitanos realmente uma nação? Em termos sociais, culturais, raciais e históricos o sentido da palavra “nação” admite isso mesmo, mas em termos legais e políticos já não (ou ainda não), neste último caso é Portugal que constitui uma nação, um estado independente e membro de pleno direito das Nações Unidas.
Mas em termos sociológicos, honestamente, muitos de nós poderíamos dizer que uma nação existe desde que uma determinada comunidade assim o queira ou que um determinado grupo de seres humanos considerem que eles formam uma nação. Eles sentem que eles partilham entre si traços culturais, étnicos, históricos, religiosos, linguísticos ou geográficos comuns e nesta base eles vêem-se a eles mesmos como uma nação diferente da maioria (ou minoria) populacional existente no país onde nasceram e vivem. Sem que isso lhes retire o direito a terem e usarem uma cidadania diferente da sua base étnico-cultural, quer dizer, os Lusitanos apesar de serem étnicamente um povo nativo com a sua identidade cultural própria, podem também ter a cidadania portuguesa, porque são habitantes e cidadãos de pleno direito, tal como os portugueses de cultura neo-latina deste país. É inegável que há um importante número de Lusitanos (e portanto cidadãos portugueses) que se consideram a eles próprios como uma nação (no sentido de comunidade étnico-cultural ou de povo, e não no sentido político de país ainda...) independente (ou diferente) de outras nações existentes no país onde vivem, e que estão, por exemplo, a reivindicar isso mesmo neste momento!
Enquanto muitos Lusitanos sustentam que a Lusitânia enquanto comunidade consciente da sua identidade própria de nação étnico-cultural devia por direito próprio ter um estatuto político independente tal como o tem Portugal ou outras nações, os portugueses mais retrógrados e conservadores pelo contrário, brincam com o significado mais restrito do termo “nação” mantendo que “nação” é apenas o estatuto legal dos países e estados independentes. De facto, a grande maioria das nações independentes do mundo, no sentido sociológico, têm um estatuto político que é muito mais limitado em espaço territorial ou restrito na esfera cultural do que muitas regiões autónomas, comunidades indígenas ou nações tribais do mundo. Por exemplo, regiões como a Escócia, Gales, Flandres, Dalmácia, Morávia ou a Sardenha, assim como muitas comunidades tribais aborígenas australianas, russas ou ameríndias da América do norte, têm um território maior ou desfrutam de muito mais autonomia política e cultural, do que muitas nações ou estados independentes do mundo reconhecidos internacionalmente e membros da ONU.
Quando nós falamos de uma nação em termos sociológicos, é muitas vezes difícil precisar os seus contornos exactos porque frequentemente o sentimento nacional ou a identidade étnico-cultural vem entroncado de um processo de auto-identificação que está há muito enraízado dentro dessa comunidade ou desse povo, o que nada tem a ver com os termos subjectivos utilizados pela sociologia. Além do mais, também, seria intolerável se essa auto-identificação viesse a degenerar numa tentativa de anexação ou apropriação de território ou de valores culturais pertencentes a outras nações ou países. Agora, enquanto ainda existem muitos Lusitanos que não se reconhecem a eles mesmos como Lusitanos mas apenas como portugueses, também alguns Lusitanos há que se sentem apenas como Lusitanos e não querem ser portugueses, ter a cidadania portuguesa ou fazer parte de Portugal. Ora isto significa que Lusitanos/portugueses e Lusitânia/Portugal são identidades diferentes e entidades que devem ser separadas. Os Lusitanos não são portugueses nem os portugueses são Lusitanos, muito embora actualmente ambos os povos tenham a mesma cidadania portuguesa, porque a isso os Lusitanos estão obrigados, vivendo na sua terra ocupada.
E isto é o que alguns Lusitanos vêm reivindicando nos últimos anos, se nós somos o povo nativo de uma nação antiquíssima com a sua própria terra, cultura, tradições e identidade diferentes da adoptada pelos neo-latinos portugueses, então nós não queremos ser parte de Portugal ou da cultura neo-latina portuguesa. No mínimo temos o direito a ter um território autónomo dentro da República Portuguesa. Mesmo que actualmente a Lusitânia ou o território Lusitano habitado por Lusitanos étnicamente puros (principalmente na Beira interior, mas também em partes de Trás-os-Montes e Alto-Alentejo) seja muito menos extenso do que a Lusitânia histórica de há dois mil anos atrás. Os Lusitanos, têm o direito a governar autónomamante a sua própria terra ou espaço étnico-cultural. É impossível pertencer ou fazer parte de duas culturas diferentes ao mesmo tempo, porque isso significa a perda da identidade cultural ou da cultura mais fragilizada, neste caso a Lusitana. Em Portugal, outros povos ou nações existem que não são portugueses nem Lusitanos, é o caso dos mirandeses do Vale de Miranda, dos Barranquenhos de Barrancos, dos habitantes dos Açores, dos da Madeira e dos Cónios que ainda hoje habitam (embora em minoria) na actual província do Algarve, porque estes povos formam as suas próprias nações, independentemente da sua identidade linguística, étnica, histórica, cultural ou geográfica.
Negar este facto, é ignorar a realidade do mundo onde hoje nós vivemos, onde identidades plurais constituem um bem que deve ser cada vez mais valorizado, preservado e reconhecido mas nunca ignorado, assimilado ou destruído. Para a maioria das pessoas, e como cidadãos comuns, o apego nacionalista não se deveria sobrepôr à sua identidade cívica ou cultura étnico-nacional. A sua mistura implica a perda de muitos valores tradicionais. As culturas não se podem misturar mas podem coexistir dentro do mesmo espaço desde que ambas estejam reconhecidas em pé de igualdade.
Compondo resumidamente esta nossa questão, tudo isto significa que cada comunidade tem a sua cultura, que esta cultura forma uma nação e cada nação deve ter o seu próprio país (território ou região autónoma). Existem hoje no mundo mais de seis mil grupos humanos, tribos e povos que se podem definir como nações, e destas nações só cerca (ou quase) de duzentas formam ou são países independentes e estados membros da ONU. Dar a independência política a um número tão elevado (diverso e rico!) de comunidades étnico-culturais não tem lógica, é quase impossível, e mesmo inviável nalguns casos, o mundo se fragmentaria ainda mais, ou mesmo o planeta poderia explodir (sociológicamente falando), mas o que nunca se poderá negar a cada uma destas mais de seis mil comunidades é o seu direito a serem reconhecidas oficialmente como nações étnico-culturais autónomas do poder centralizado numa cultura dominante e a disporem do seu próprio território. Muitos países hoje, são formados pelo conjunto de várias nações que existem e são reconhecidas como tal dentro desse mesmo país, casos da Grã-Bretanha, da Rússia, da Índia, da Nova Zelândia, do Canadá, dos EUA, do Brasil, da África do Sul, entre muitos outros.
Voltando então ao caso português, à questão Lusitana, pergunta-se; se existem algumas comunidades ou nações já reconhecidas oficialmente pelos governantes portugueses e na Constituição da República Portuguesa, como é o caso da comunidade de língua Mirandesa, das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, então porque é que as outras comunidades como a Lusitana, a de Barrancos e a dos Cónios não são reconhecidas? Será que estas são a excepção por eventualmente porem em causa a identidade “neo-latina” ou alguns preconceitos mesquinhos portugueses? Se é isto, então porque é que os últimos governos cobardes deste país não reivindicam Olivença ou a libertam da ocupação espanhola? Isto não tem lógica! E está em grande contradição com a própria Constituição do país, que estabelece os direitos de todo o cidadão nacional a viver, a escolher, a definir-se e a ver-se a ele próprio sem qualquer tipo de imposições ou restrições. E se um grupo de cidadãos portugueses, membros duma determinada comunidade como a Lusitana (geográfica, histórica, genética e culturalmente comprovadas) ou outra (que eventualmente venha a constituir-se no futuro) querem pertencer, gerir o seu próprio destino ou ser parte activa da sua nação, então porque é que não obtêm reconhecimento oficial ou têm liberdade de o fazer?
Não se pode ignorar nem trivializar a identidade própria de uma nação. Esta posição extremada e oficialmente assumida pelos governantes portugueses no fundo só levará ao extremar dos que estão no outro lado, o que dará origem num futuro próximo ao separatismo de muitos Lusitanos.
Portanto, esta questão dos Lusitanos e da Lusitânia actualmente, do ponto de vista constitucional, não põe em causa a identidade portuguesa nem a unidade territorial de Portugal, o que se põe em causa legalmente é o reconhecimento da comunidade ou do povo Lusitano em Portugal. Claro que para muitos a identidade Lusitana está viva, mas a existência da sua cultura no futuro é que não está ainda assegurada porque carece de reconhecimento oficial. Com que direito é que os portugueses, não só governantes e suas elites sociais, como também os ignorantes, negam ao povo nativo Lusitano o direito de usufruirem da sua cultura e de se expressarem socialmente segundo a sua identidade? Que se saiba neste país ninguém negou aos crioulizados portugueses o direito a adoptarem a sua pseudo-cultura e língua neo-latina, pois não?
Ocasionalmente, hoje alguns portugueses podem preferir utilizar a expressão “comunidade” ou mesmo “sociedade” à de “nação”, sem que isso apouque ou minorize a importância ou a existência de todo um povo (ou comunidade ou nação...). Se o objectivo é ser o mais abrangente e unionista quanto possível, então a palavra mais apropriada é “sociedade”, se o objectivo visa apenas denominar um pequeno grupo de activistas conscientes e reivindicadores da sua verdadeira identidade étnico-cultural a palavra escolhida pode ser “comunidade”, mas se quizermos referir-nos a todo um povo nativo, puro, antigo, rico de tradições e numeroso (apesar de nem todos estarem cientes da sua verdadeira identidade) então o termo mais correcto é “nação”. O termo que ainda não se pode, infelizmente, utilizar é “país”, porque apesar de ainda hoje os Lusitanos étnicamente puros viverem num território mais ou menos delimitado e estabelecido (o berço da Lusitânia é a Beira interior), essa região ainda não foi oficialmente reconhecida ou criada nem goza de qualquer tipo de autonomia, e muito menos tem independência política. O sentido etimológico da palavra “nação” tem uma conotação ligada às origens, à natividade de um povo, a uma cultura há muito estabelecida e tem também um sentido étnico ou racial. Só num sentido abrangente e político o termo se refere a um país. De qualquer modo uma nação é sempre cívica e se se refere a uma comunidade, independente ou não não é garantia de reconhecimento. Hoje, o número cidadãos portugueses que se sentem mais Lusitanos do que portugueses está a crescer cada vez mais. E conscientes da sua identidade vão lutando pelos seus direitos. Só desta forma se conseguirá obter num futuro próximo as consequências legais que levarão finalmente ao reconhecimento constitucional e oficial da nação Lusitana em Portugal. Tudo passa por uma questão de direitos humanos e sociais, a curto ou a médio prazo, com ou sem reais mudanças de mentalidade, sociais, políticas e constitucionais. O reconhecimento oficial da nação e do povo Lusitano em Portugal é absolutamente necessária e do interesse de todo o país. Todos os Lusitanos têm o direito a desfrutarem da liberdade, de se expressarem socialmente e de escolherem como querem viver. É terrivelmente cruél e falso que uma nação (ou país) imponha a outra nação (ou comunidade) a forma como devem viver, para mais negando-se a reconhecer a sua diferente especificidade étnico-cultural. Os Lusitanos têm o direito de de serem donos do seu próprio destino, sempre é melhor ser livre e pobre do que rico e português.